domingo, 20 de maio de 2007

O piano já não está...

O piano já não está no seu lugar de há tantos anos
minha Kota... uma morna só
eu sei que é com dores
eu sinto que é com lágrimas.
Minha mãe
que te fizeram?
te amachucaram
te roeram a carne e o osso
minha velha... uma morna só
aquela mesmo... a proibida.
Solta o som
afaga as teclas
estoira o grito.
Minha mãe.
Quem inventou este desencontro?

Carlos Ferreira

sábado, 14 de abril de 2007

Homo Angolensis

Mastiga a própria desgraça
com ela improvisa uma farra
precisa de uma boa maka
como do ar para respirar
acha o mundo demasiado pequeno
pró seu coração
ri à toa fornica por disciplina
revolucionária
jura que um dia será potência
gosta de funje todos os sábados
e foge do trabalho na segunda
mas fica limão
quando lhe querem abusar

João Melo

domingo, 8 de abril de 2007

Femme Noire

Femme nue, femme noire
Vétue de ta couleur qui est vie, de ta forme qui est beauté
J'ai grandi à ton ombre; la douceur de tes mains bandait mes yeux
Et voilà qu'au coeur de l'Eté et de Midi,
Je te découvre, Terre promise, du haut d'un haut col calciné
Et ta beauté me foudroie en plein coeur, comme l'éclair d'un aigle

Femme nue, femme obscure
Fruit mûr à la chair ferme, sombres extases du vin noir, bouche qui fais
lyrique ma bouche
Savane aux horizons purs, savane qui frémis aux caresses ferventes du
Vent d'Est
Tamtam sculpté, tamtam tendu qui gronde sous les doigts du vainqueur
Ta voix grave de contralto est le chant spirituel de l'Aimée

Femme noire, femme obscure
Huile que ne ride nul souffle, huile calme aux flancs de l'athlète, aux
flancs des princes du Mali
Gazelle aux attaches célestes, les perles sont étoiles sur la nuit de ta
peau.

Délices des jeux de l'Esprit, les reflets de l'or ronge ta peau qui se moire

A l'ombre de ta chevelure, s'éclaire mon angoisse aux soleils prochains
de tes yeux.

Femme nue, femme noire
Je chante ta beauté qui passe, forme que je fixe dans l'Eternel
Avant que le destin jaloux ne te réduise en cendres pour nourrir les
racines de la vie.

Léopold Sédar Senghor, "Oeuvres Poétiques"

Dedico este poema à minha amiga Koluki

sábado, 10 de junho de 2006

PRESENÇA AFRICANA

E apesar de tudo,
ainda sou a mesma!
Livre esguia,
filha eterna de quanta rebeldia
me sagrou.
Mãe-África!
Mãe forte da floresta e do deserto,
ainda sou,
a Irmã-Mulher
de tudo o que em ti vibra
puro e incerto...
A dos coqueiros,
de cabeleiras verdes
e corpos arrojados
sobre o azul...
A do dendém
nascendo dos abraços das palmeiras...
A do sol bom, mordendo
o chão das Ingombotas...
A das acácias rubras,
salpicando de sangue as avenidas,
longas e floridas...
Sim!, ainda sou a mesma.
A do amor transbordando
pelos carregadores do cais
suados e confusos,
pelos bairros imundos e dormentes
(Rua 11!...Rua 11!...)
pelos meninos
de barriga inchada e olhos fundos...
Sem dores nem alegrias,
de tronco nu e musculoso,
a raça escreve a prumo,
a força destes dias...
E eu revendo ainda, e sempre, nela,
aquela
longa história onconsequente...
Minha terra...
Minha, eternamente...
Terra das acácias, dos dongos,
dos colios baloiçando, mansamente...
Terra!
Ainda sou a mesma.
Ainda sou a que num canto novo
pura e livre,
me levanto,
ao aceno do teu povo!

Alda Lara

segunda-feira, 6 de junho de 2005

PAISAGEM

No fundo
além da fortaleza sonhadora,
das acácias em flor,
da cidade espalhada em colinas,
da cascata de vidros nas encostas,
do vôo disparado daquele patos
e do calor de tua mão,
no fundo,
feito paisagem indiferente,
o ruído do mar.
Monótono, constante, distraído,
marcando-me o compasso ao pensamento.
E o pôr-de-sol, as nuvens cor de fogo,
a cinza abrasada, um dongo na baía,
a fortaleza debruçada, além,
como quem espreita para além do mar...
Toda a beleza cálida me fere,
só porque o mar,
monótono, indiferente,
repete aquelas frases, cáusticas, brutais,
que eu trouxe no meu peito com vinte anos
os versos de combate,
o meu olhar altivo,
as horas de visão
e os passos muito incertos e tão fortes
que eu sentia no rumo do futuro.
Há uma sombra no céu
e uma névoa nos meus olhos.
As janelas apagam-se em penumbra,
o dongo atravessou a água mansa
e a tua mão aquece a minha mão.
E a tua mão aquece a minha mão.
Crispas os dedos, sentes esta angústia:
a beleza completa-se com dor.
Ao fundo, o mar,
o mar que nos embala e nos conforta,
o mar...
Ó meu amor, e diz,
eu ouço, ele diz,
que a alma não está gasta,
a ânsia não está morta,
se os olhos são capazes de chorar!

Cochat Osório
In: No reino de Caliban II - Antologia
panorâmica de poesia africana de ex-
pressão portuguesa